sábado, 30 de abril de 2016

Passaporte para o mundo de Osasco

           Fui a Osasco outro dia, mais por dever de amizade do que de ofício, digamos assim. Mas no fundo deveria ter ido mais por dever de ofício do que por dever de outra coisa. Explico. Ninguém é obrigado a nascer gostando disso ou daquilo, e de cinema também não, mas a gente é obrigado, por dever de ser, no mínimo a ser curioso... E daqui puxo a orelha de quem sabia e não foi, por preguiça, ou por dez ou mil outras razões. Quem não foi, perdeu. Perdeu inclusive a oportunidade de encontrar muita gente boa lá, em muitos sentidos. Apesar da modéstia, foi uma bela festa. Foi.
A festa a que me refiro foi o lançamento, ou estreia nacional, de “Passaporte Para Osasco”, filme de Rui de Souza. Uma obra fílmica que não perde em nada para um bom filme de arte europeu, ou um bom filme brasileiro. Quem o vir depois, entenderá do que estou falando... Por enquanto quero dizer mais, somente e tão de sua forma, de sua estética. Pois, se arte também é simetria, eis que “Passaporte para Osasco”, de Rui de Souza, tem muito de simetria, delineamento, capricho, nuanças e estética de um filme feito por mãos de artesãos que conhecem do ofício. Uma produção, obviamente, feita na cara e na coragem.  Está lá a marca do seu diretor/autor e também um dos seus colaboradores mais próximos como João Luiz de Brito Neto, cineasta e cineclubista, que além de diretor de fotografia e câmera, foi quem fez a edição; está lá também a trilha sonora, tanto a música original composta por Alcides Neves, como a outra parte da trilha musical do grupo “La Carne”; e também o cineasta e cineclubista Diogo Gomes dos Santos, com apoio do Centro Cineclubista de São Paulo quem organizou tecnicamente a sessão, dentre outros apoios em outras etapas do filme...  Enfim, há tantos colaboradores, que prefiro não tentar citar todos aqui, porque a lista é grande. Agora, é fato que o filme, “Passaporte para Osasco”, de Rui de Souza, já não é mais um projeto, bla-bla-bla, é realidade, ora!   
E vamos lá, todos os nós sendo desatados. Na medida dos bons ventos. Se o mar não vem até nós, vamos a ele! Ufa.
O Teatro Municipal de Osasco, de uns quinhentos lugares devia ter menos de meia casa, de algo em torno de uns 150 corajosos amigos de Rui de Souza. Os amigos e/ou amigos de amigos são sempre suspeitos e bondosos, mas posso dizer que no final de uma sessão de quase duas horas de filme documentário, não há amizade ou amigo de amigo que resista a caras e bocas, e ninguém, ninguém mesmo é condescendente com aquilo que não o é merecidamente bom. No mínimo as pessoas silenciam, mudam de assunto, inventam outras conversas etc. Mas neste caso, quem estava lá  no Teatro Municipal de Osasco, no último dia 11 de março, pode testemunhar, não vai me deixar mentir. As pessoas saíram felizes, caras boas e sem querer ir embora, querendo se estender, conversar etc... E, se não fosse o bravo Samuel Batista (aliás, quem ajudou a viabilizar a sessão de lançamento desse filme, com o apoio da Secretaria da Cultura da Prefeitura  de Osasco), no bom sentido, claro, aquela plateia não teria saído tão cedo do espaço. Oxalá, que sempre fosse assim, não é verdade?  
E o que lamentei, e lamentamos todos, imagino, é a ausência de muitas das personagens que estão na fita, que já não se encontram entre nós. Uma pena. Estão lá José Ibrahin (autor e cedente de grande parte das imagens de arquivos), José Groff e também uma das figuras mais carimbadas daquela turma, o saudoso Inácio Gurgel. Além ser uma das expressões daquele movimento grevista, poeta e militante cultural, é o homem das artes cênicas em Osasco daqueles e muitos outros anos, um multiplicador de cenas. Digamos assim.  Ademais, estão lá também, felizmente, os que ainda estão (e bem) entre nós: Helena Werner Pignatari, Risomar Fasanaro, Terezinha Gurgel, Antonio Roberto Espinosa, João Joaquim e Roque da Silva. São todos personagens importantes desse Movimento Grevista, envolvendo a extinta Cobrasma, que ainda intriga a muitos, tantos aos mais velhos como às novas gerações. Cujo poder de mobilização e força contra o regime militar, daqueles anos de 1968, encontraria par nos movimentos grevistas da cidade de Contagem (abril de 1968), MG, e depois no histórico e emblemático ABCD paulista, anos depois.
Encerrando esse modesto texto, sem maiores pretensões, só queria aqui registrar esse momento tão singular para uma cidade como Osasco, que, se não estou enganado deve ser este o primeiro ou o segundo filme de longa metragem produzido no município. Não precisa ser, exatamente, das artes e/ou da área da cultura para saber da importância disso... E quem não sabe da importância deveria procurar saber.
Assim, me retiro do Teatro Municipal de Osasco, e volto para São Paulo, de trem, de onde espero poder continuar observando e ajudando quando possível, ou, se for o caso, ao menos não atrapalhar quem está produzindo arte por lá. O que já está de bom tamanho, dada as nossas homéricas tarefas para a sobrevivência nessa área. Bom, de qualquer forma, eu também já tenho um passaporte para o Osasco. E, beijo que fui.


(Cacá Mendes)
Poeta e produtor cultural, e também
Coordenador do “Sarau dos Conversadores”
www.osconversadores.com.br












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