sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Rossellini, 100



UMA VEZ MAIS CONSIDERANDO a audiência rotativa deste blog, republico texto sobre Rossellini que se vivo estivesse completaria 100 anos em 2016.
Enfim: como H. Mauro, um outro avô espiritual e cinematográfico...

Trinta Anos Sem Roberto Rossellini

“Evidentemente, só fui entender muito mais tarde o que significava o Neo-realismo italiano, que era, na verdade, um alargamento das possibilidades do discurso cinematográfico. No momento em que Rossellini tira a câmera do estúdio e mostra a vida na rua, ele redefine não somente uma estética cinematográfica, mas também uma ética cinematográfica.”
Walter Lima Junior – Cineasta

Foi a partir da reportagem “Texto inédito de Rossellini previa conflito entre Ocidente e Islã”, publicada no site do “Jornal do Brasil” em 20/04/07 (que segue em anexo), que despertei para a urgência de refletir sobre a importância do legado deixado pelo cineasta italiano Roberto Rossellini. Que nasceu em Roma em 8/5/1906 e que justamente em 3 de junho próximo completará trinta anos de sua morte também em Roma. A reportagem para quem ainda não o conhece é uma descoberta incrível, já para os iniciados (ou cinéfilos de carteirinha) é um excelente aperitivo. É que escrever em 1976 sobre as relações Ocidente e Islã com o devido respeito, ensinando-nos à compreensão e tolerância mútua, e principalmente colocá-la em prática, é algo muito importante. Ele profetizou por assim dizer o 11 de setembro de 2001! E mais, ao longo de sua trajetória foi e será uma obrigatória e verdadeira referência não só para os interessados por cinema ou cultura, mas para todos aqueles que almejam um mundo ético, digno e solidário. Palavras muitíssimo caras nos dias atuais.

Segundo o jornalista Luiz Zanin Oricchio do “O Estado de S. Paulo” caderno “Cultura/Caderno 2” de 2/11/2003, pág. D-1, “... Mais de uma vez, em entrevistas (inclusive na mais célebre de todas, dada a Eric Rohmer e a François Truffaut, para a Cahiers du Cinema), afirmou que desconhecia o significado exato do termo neo-realismo. Dizia até mesmo que não era cineasta, apenas um homem que se sentia em dever moral diante dos seus semelhantes e procurava meios expressivos adequados para cumprir com sua obrigação. Cinema ou TV, ou os dois juntos, tudo dava na mesma...”.

É importante (re) lembrar que ele é considerado o “pai do Neo-Realismo italiano”, e por extensão do cinema moderno. Jean-Luc Godard e François Truffaut foram super influenciados por Rossellini , surgindo a Nouvelle Vague francesa. Certa ocasião Glauber Rocha também  admitiu que o Cinema Novo brasileiro era devedor de dele.

Rossellini começou a interessar-se por cinema por volta do 30 anos, como montador, roteirista e realizador de curtas-metragens. Sua estréia nos longas foi em 1941 com O Navio-hospital. Pode-se afirmar que sua trajetória artística decolou de vez a partir da chamada “trilogia da guerra”: Roma – Cidade Aberta (1945), Paisá (1946) e Alemanha Ano Zero (1948). Na qual ele praticamente documentou a 2ª Guerra Mundial na Europa, ainda que fossem ficcionais. Já com Stromboli (1950), Europa 51 (1952) e Viagem à Itália (1953), estamos diante da “trilogia da solidão”. Nos três a atriz Ingrid Bergman (Estocolmo, 29/08/1915 – Londres, 29/08/1982) de Casablanca (entre muitos outros), está magistral. E que teve um polêmico casamento com Rossellini; nascendo daí Roberto e as gêmeas Isotta Ingrid e a atriz Isabella Rossellini.

Não se deve esquecer também, que Anna Magnani (1908-1973) imortalizou sua carreira no papel de Pina em Roma – Cidade Aberta. E, igualmente anotar, que Federico Fellini (1920-1994) antes de realizar obras como A Doce Vida (1960) e 8/12 (1963), foi um dos principais colaboradores de Rossellini.

Deixo aqui esta pequena recordação de Roberto Rossellini. Na certeza que ela motivará outros tantos interesses e necessidades. Estão disponíveis para locação em DVD: Roma – Cidade Aberta (1945), Paisá (1946), Alemanha, Ano Zero (1948), Stromboli (1949), Francisco, Arauto de Deus (1950), Viagem à Itália (1954), Nós as Mulheres (1953), De Crápula à Herói (1959) e Santo Agostinho (1972).


Rui de Souza – 25/04/2007
Texto inédito de Rossellini previa conflito entre ocidente e Islã

Agência ANSA

ROMA – A perspicácia do pensamento e da obra de Roberto Rossellini encontra uma nova comprovação com a publicação de “Islam”, texto inédito de um projeto televisivo que o diretor escreveu em 1976 e acabou por não ser filmado.

O manuscrito, dividido em setenta pastas, foi reencontrado por Renzo Rossellini, filho e colaborador muito próximo de Roberto. A ele também se deve a organização do curto livro publicado na Itália pela editora Donzelli (163 páginas, 13,50 euros) que contém a filmografia completa do diretor, com fichas exaustivas sobre cada obra.

“Islam” se insere no projeto de filmes televisivos histórico-didáticos sobre a história da humanidade, uma espécie de enciclopédia imagética que produziu também obras-primas singulares, como “La Presa del Potere di Luigi XIV” e Il Messia”.

Para Rossellini (1906-1977), que já desde a segunda metade dos anos 1960 tinha rompido com indústria cinematográfica, a divulgação televisiva representava o futuro do cinema e – de um ponto de vista pessoal – um novo campo a ser explorado.

No texto inédito, surpreende o modo original de enfrentar a questão do istã, com reflexões que hoje parecem ter extrema atualidade. Dizem as primeiríssimas linhas: “Agora que o mundo está ainda mais dilacerado por novas incompreensões e por acontecimentos inusitados, torna-se urgente fazer alguma coisa. Uma nova fratura muito profunda foi criada entre o mundo ocidental, orgulhoso de seu suposto pragmatismo, e o mundo muçulmano, que, finalmente despertado, tem a coragem de se recobrar”.

Muitos anos antes do fatídico 11 de setembro de 2001, Rossellini parece intuir o perigo de um choque de civilizações e postula necessidade de conhecer as riquíssimas raízes da cultura árabe e da relação profunda que essas raízes têm com o Ocidente.

Um raciocínio cristalino, que revela não apenas a erudição e a postura de pesquisador, mas também a incrível capacidade de intuição do mestre. “Qualquer coisa poderá acontecer”, diz a obra. Mas para nos odiarmos bem ou nos destruirmos bem, deveremos em todo caso conhecer-nos bem.”

O texto foi escrito à mão, como todos os outros do mesmo gênero, em blocos pautados amarelos, que Rossellini usava sempre para o seu trabalho.

Comumente, depois de ter escrito ele fotocopiava as páginas e as dava ao filho, para que ele lesse e fizesse as suas observações. Mas, quando terminou de escrever “Islam”, segundo conta Renzo, ele não fez cópias e pediu a ele lesse rápido, diante de si, as páginas recém-prenchidas.

- Imediatamente comentei – conta Renzo: “Mas como, os países islâmicos são riquíssimos, têm petróleo e podem colocar de joelhos a economia do planeta!”. Rossellini então respondeu num ímpeto ao filho: “Mas esse é o problema: para apoderar-se dessas riquezas criaremos pretextos, usaremos as armas do racismo, como foi feito contra os judeus, e pior, poderemos criar um novo holocausto, e desta vez as vítimas serão o islã e os mulçumanos”.



Reportagem publicada no site do “Jornal do Brasil” em 20/04/07


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