Um filme: “Passaporte para Osasco”, de Rui de Souza
Para Rosa Lopes Martins
Maio de 1979: José Ibrahim chega ao aeroporto de Viracopos
em Campinas depois de dez anos de exílio no México, Cuba, Panamá, Chile e
Bélgica. As imagens do final do filme “Passaporte para Osasco”, de Rui de Souza
(2016, 90 min.), retomam as lembranças de um período da história da cidade: a
greve de julho de 1968.
Há depoimentos do líder sindical e dos seus companheiros
operários: José Groff, João Joaquim da Silva, Roque Aparecido da Silva, Inácio
Pereira Gurgel, Terezinha de Jesus Gurgel, Antonio Roberto Espinosa – e das
professoras Helena Pignatari Werner e Risomar Fasanaro.
A greve de 16 de julho de 1968 não foi apenas
reivindicatória – contra o arrocho salarial, direito à greve, mas política – e
houve ocupação de fábrica. Foi organizada a partir da Comissão de Fábrica da
Cobrasma e do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco – e outras empresas da
cidade também paralisaram: Brown Boveri, Braseixos, Barreto Keller, Lonaflex.
Foi um movimento libertário de enfrentamento da ditadura militar no Brasil.
Os grevistas pagaram um alto preço pela ousadia de desafiar
a tirania. José Ibrahim foi preso, torturado,
exilado, e os trabalhadores foram fichados pelo DOPS (Departamento de Ordem
Política e Social). Perseguidos pela repressão policial, constantemente
vigiados, não conseguiam trabalho nas fábricas.
Quem eram os outros companheiros? José Campos Barreto
permaneceu 90 dias preso depois da greve, e entrou para a clandestinidade,
assassinado com o Capitão Carlos Lamarca em 1971; João Batista Cândido mudou-se
para São José dos Campos; o padre operário Pierre Joseph Wauthier foi expulso
do Brasil. Pedro Tintino da Silva e Joaquim Miranda permaneceram na cidade.
Qual o papel dos estudantes na revolta operária? As escolas
públicas da cidade, GEPA (Ginásio Estadual de Presidente Altino), e Ceneart (Colégio Estadual Antonio Raposo Tavares) , eram frequentadas pelos estudantes-operários
– e foram centros de agitação política-ideológica. O presidente da UEO (União
dos Estudantes de Osasco), Gabriel Roberto Figueiredo, militante do PCB (Partido
Comunista Brasileiro), foi preso no 4º
Regimento de Infantaria em Quitaúna depois do golpe de 1964. A UEO foi extinta,
e os estudantes fundaram o CEO (Centro Estudantil de Osasco), e José Campos Barreto,
aluno do Curso Clássico no Ceneart e operário da Cobrasma, foi seu primeiro
presidente.
Qual o papel das mulheres no movimento grevista? As operárias
da fábrica de fósforos Granada entraram em greve em solidariedade, e foram em
passeata até o sindicato. A professora de História, Helena Pignatari Werner, também
presa no 4º R.I. em 1964, continuou lecionando na Escola Estadual Antonio
Raposo Tavares; escreveu o livro “Raízes do movimento operário em Osasco”
(Cortez Editora, São Paulo, 1981, 152 pp). A escritora-poetisa Risomar Fasanaro militou
junto aos movimentos culturais da cidade durante os anos de resistência.
Qual o papel da Igreja Católica na organização dos trabalhadores?
Foram cinco movimentos: as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), a presença dos
padres operários, a ACO (Ação Católica Operária), a Frente Nacional do
Trabalho, a JOC (Juventude Operária Católica). Os militantes da FNT Albertino
de Souza Oliva, Antonio Vieira de Barros, Odim Jiorjon e Maria Santina vivem na cidade; Alberto Abib Andery vive em
São Paulo. Padre Domingos Barbé faleceu em 1988, e padre Rafael (Antonio Álico
Busato) em 2002.
Quais personagens o filme recorda – e que não estão mais
presentes? O estudante Sergio Zanardi se suicidou; João Domingos da Silva
morreu no Hospital Geral do Exército em São Paulo; Eremias Delizoicov,
estudante secundarista do bairro da Moóca, engajado na campanha do Fundo de
Greve, morto em 1969 - são alguns deles. E aqueles que não foram citados: Maria
de Lourdes Vieira Brengel, militante da JOC, faleceu em 2013; e o professor de
História no Gepa (Ginásio Estadual de Presidente Altino), Josué Augusto da
Silva Leite.
Os depoimentos recordam como os sindicalistas se engajaram
na luta armada, a guerrilha revolucionária:
Roque Aparecido da Silva, José Ibrahim e Eremias Delizoicov militaram na
VPR (Vanguarda Popular Revolucionária); Antonio Roberto Espinosa e José Campos
Barreto na VPR, e depois, na Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares.
Foi com emoção que assisti ao testemunho de José Groff, meu
irmão-camarada desde os anos jovens. E
as tristes imagens do jovem sindicalista José Ibrahim partindo para o desterro no
avião Hércules da FAB no aeroporto do
Galeão no Rio de Janeiro. Em 1979, estava entre os que foram recepcioná-lo no
aeroporto de Viracopos em Campinas – e depois, em uma festa para comemorar a
volta do exílio, na casa da sua mãe no bairro de Presidente Altino.
“Primeiro de Maio não é primeiro de abril”, de 1989, é o
primeiro filme do osasquense Rui de Souza. A produção, roteiro e direção de
“Passaporte para Osasco” não teve nenhum
tipo de financiamento, privado ou estatal, e contou com o apoio da Comissão
Municipal da Verdade de Osasco. É uma realização do Cineclube Alto do Farol, Cineclube
Konopheria e Centro Cineclubista de São Paulo; teve a fotografia de João Brito
Neto – e levou mais de dez anos para ser finalizado. Os depoimentos foram
filmados entre 2005 e 2007, e José Groff, José Ibrahim, Inácio Pereira Gurgel não sobreviveram para assistir ao filme, mas entraram
para a História – e estarão sempre presentes em nossa memória.
Osasco, a cidade marcada pela resistência à ditadura
militar, foi estigmatizada como a cidade da violência pela imprensa golpista. O
filme de Rui de Souza registra a história dos que ousaram desafiar a propaganda
fascista, a repressão, a prisão, o exílio, a tortura, o suicídio, a morte e
desaparecimento de presos políticos.
João dos Reis, Professor de Filosofia e Jornalista. Também colabora com o blog da querida amiga Risomar Fasanaro, que eu sigo : http://risomarfasanaro.blogspot.com.br/
30/05/2016
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